Ela era uma mulher atraente. Tinha tudo o que queria e bem mais do que precisava. Tinha um namorado e dois cães. Um gato persa e uma estante de livros. Tomava banho ao acordar e em seguida pintava os olhos. Belos olhos. Gostava de escrever. Sabia dosar seu tempo. Cantava na chuva e no chuveiro. Porém se sentia infeliz. Aquele dia amanheceu um tanto quanto sombrio. Havia neblina quando ela levantou-se. Lavou o rosto, arrumou os cabelos desgrenhados. Preparou um café fraco com uma fatia de pão integral. Antes de sair pintou os olhos como de costume e passou baton. Olhou-se no espelho e disse adeus a si mesma. Planejara uma dia diferente. Queria um dia diferente. Ao invés de ir para o trabalho seguiu em frente. Dirigiu sem destino. Seu desatino. Pensava naquilo que era e no que gostaria de ser. Questionava como uma mulher como ela, trinta e poucos anos, bem sucedida, bonita, inteligente não conseguia ser feliz. Tinha uma casa perfeita. Quadros na parede da sala, uma lareira para o inverno. Uma estante cheia de livros, de todos os tipos. Discos de vinil e ao lado cds. Novos, antigos, clássicos. Como pode alguém ter tudo na vida e não ser feliz? O emprego perfeito, o carro do ano, mas ela sabia que faltava alguma coisa. Parou em uma praça onde pessoas se exercitavam, outras caminhavam com seus cães. Algumas passeavam com crianças. E ela o que era? Uma mulher que gostava de coisas interessantes, lia livros bem escritos, ouvia músicas com conteudo. Tinha um excelente namorado. Mas não conhecia a si mesma. Não sabia quem era de verdade.
Nunca fizera algo parecido. Nunca tinha "perdido tempo". Era correta em tudo e agora estava fugindo do mundo. E por quê? Ela se importava demais com a opinião das outras pessoas. Dava ouvidos aos palpites alheios e esquecia de viver a sua vida. Por vezes esqueceu-se que suas decisões ela mesma deveria tomar. Por vezes esqueceu que ninguém poderia viver a suavida a não ser ela mesma. E então naquele dia sombrio e de neblina ela fugiu. Fugiu do mundo, mas pra que pudesse se encontrar consigo mesma. Fugiu da sua vida perfeita pra se entrega à própria imperfeição. Ela não era perfeita. E isso fazia com que se sentisse fraca. Mas ela não era fraca. Apenas não sabia quem era de verdade. E agora, naquela manhã, decidira viver. Viver sua vida. Decidir por si mesma. Fechar os olhos e enxergar por dentro como era realmente.

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